Como já delineado em artigos anteriores, a carga tributária incidente sobre os serviços de telecomunicações é extremamente elevada, sobretudo se analisarmos as elevadas alíquotas de ICMS aplicáveis em relação às empresas não optantes pelo Simples Nacional, ou seja, aquelas que optaram pelo recolhimento dos tributos segundo o regime de apuração do Lucro Real ou Lucro Presumido.
Diante disso, há muito se discute, analisando-se especificamente os serviços de internet, que tipo de serviço pode ser cobrado e faturado do assinante, visando obviamente reduzir a tributação incidente.
E dentre esta discussão, surgiram por parte de consultorias tributárias, contabilidades e até mesmo por decisões dos próprios gestores de empresas atuantes nos serviços de internet, diversas modalidades de divisão de serviços/receitas visando a redução da tributação, como por exemplo: em relação à mensalidade de internet, faturar-se do assinante parte como serviços de comunicação multimídia e parte como locação de equipamentos; ou faturar-se do assinante parte como serviços de comunicação multimídia e parte como serviços de suporte.
É bom que se diga que, em relação às modalidades acima exemplificadas, a forma em que se fatura do cliente parte como serviços de comunicação multimídia e parte como serviços de suporte deve ser sumariamente descartada, eis que, em relação aos serviços de suporte, a regulamentação da ANATEL exige a disponibilização do suporte gratuitamente ao assinante, motivo pelo qual este tipo de serviço não pode ser objeto de cobrança/faturamento (salvo em casos que o próprio cliente deu causa à prestação do serviço de suporte).
Entretanto, a modalidade mais comum de divisão de serviços/receitas, e defendida por este Consultor, é cobrar e faturar do assinante parte como serviços de comunicação multimídia (SCM) e parte como serviços de acesso à internet (serviços de valor adicionado – SVA).
Isto porque, a divisão de serviços/receitas entre serviços de comunicação multimídia (SCM) e serviços de valor adicionado (SVA) é melhor amparada juridicamente e jurisprudencialmente, sobretudo em decorrência dos diversos informes e ofícios da ANATEL em que a mesma reconhece que, para que o assinante tenha acesso aos recursos da internet, o mesmo necessita de 02 (dois) serviços distintos, mas complementares: os serviços de comunicação multimídia (SCM) e os serviços de acesso à internet (serviços de valor adicionado – SVA).
É o que foi estipulado, a título de exemplificação, no Informe nº 224, de 31/03/2006, expedido pela ANATEL. Confira especialmente o seguinte trecho:
“(…) Para prestar o acesso à internet em Banda Larga, a despeito da tecnologia utilizada (xDSL, HF CATV, etc), são necessários dois serviços: um serviço de telecomunicações provido pelas prestadoras de serviços de telecomunicações através das autorizações a elas conferidas pela Anatel, e o serviço de conexão à internet, que é um Serviço de Valor Adicionado prestado pelos provedores internet. O serviço de telecomunicações constitui o suporte provido pelas redes de telecomunicações para viabilização do Serviço de Conexão à Internet, que proporciona a troca de informações entre os equipamentos de usuários conectados à internet, serviço regulamentarmente enquadrado como Serviço de Valor Adicionado, nos termos do art. 3º da Norma 04/95.”
E também, porque a própria ANATEL reconhece a natureza jurídica dos serviços de acesso à internet, qual seja, espécie dos serviços de valor adicionado (SVA). E também reconhece que os serviços de valor adicionado não se confundem com qualquer modalidade dos serviços de telecomunicações.
Confira, neste diapasão, o disposto no Ofício nº 10/2009/PVSTR-ANATEL:
“Não bastasse ser clara a conceituação do Serviço de Conexão à Internet como um Serviço de Valor Adicionado, pelas definições do próprio Serviço de Valor Adicionado e pela descrição das atividades que constituem o Serviço de Conexão à Internet, a própria legislação conceitua o Serviço de Conexão à Internet como um Serviço de Valor Adicionado (…).
Ainda, faz-se mister ressaltar que além da legislação determinar que o Serviço de Conexão à Internet é um Serviço de Valor Adicionado, também determina claramente que o Serviço de Valor Adicionado não é um serviço de telecomunicações, conforme dispõe o § 1º do art. 61 da Lei Geral de Telecomunicações (…)”.
E ainda, porque a própria Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97) reconhece que os serviços de valor adicionado não constituem serviços de telecomunicações.
Mas, acima de tudo, o maior alicerce jurídico existente quanto a separação entre serviços de comunicação multimídia (SCM) e serviços de acesso à internet (serviços de valor adicionado – SVA), está relacionado aos inúmeros precedentes jurisprudenciais existentes sobre o tema, todos no sentido de declarar a não incidência do ICMS e do ISSQN sobre os serviços de acesso à internet.
Em relação ao ISSQN, veja um precedente do Superior Tribunal de Justiça (RESP nº 674.188/PR, da 1ª Turma do STJ):
“RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. TRIBUTÁRIO. ISS. PROVEDORES DE ACESSO À INTERNET. NÃO-INCIDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. (…) 4. Não há previsão no Decreto-Lei 406/68, com suas alterações posteriores, em que se possa incluir os serviços prestados pelos provedores de acesso à internet entre aqueles sujeitos à incidência de ISS. Isso, porque, conforme anteriormente salientado, esta Corte de Justiça, no julgamento dos EREsp 456.650/PR, consignou que a atividade realizada pelo provedor de acesso à internet é serviço de valor adicionado, constituindo um acréscimo ao serviço de telecomunicações. No entanto, a lista de que trata o decreto-lei supramencionado não incluiu, em seu rol taxativo, os referidos serviços de valor adicionado; além disso, não há nenhuma identidade entre esse serviço e os demais nela expressamente previstos. (…) 7. Mesmo após a edição da Lei Complementar 116/2003, não se cogita a incidência de ISS sobre o serviço prestado pelos provedores de acesso à internet, porquanto não se equipara aos serviços de informática e congêneres previstos no item 1 anexo à referida lei – os quais se referem a desenvolvimento, análise e processamento de dados.”
E em relação ao ICMS, já existe inclusive uma Súmula do Superior Tribunal de Justiça declarando a não incidência do ICMS sobre os serviços de conexão à internet. Veja:
“334. O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à internet.”
Portanto, é evidente que, se comparada a outras modalidades de divisão de serviços/receitas, a separação entre serviços de comunicação multimídia (SCM) e serviços de acesso à internet (serviços de valor adicionado – SVA) possui maior sustentáculo jurídico e jurisprudencial. E mais, conta com o respaldo da própria ANATEL.
De toda sorte, é também importante esclarecer que, analisando-se o entendimento do Fisco Estadual em relação a este tipo de prática (divisão de serviços/receitas), percebe-se que o Fisco Estadual combate veementemente qualquer tipo de divisão de serviços/receitas. Segundo o entendimento do Fisco Estadual, os serviços de internet devem ser cobrados e faturados 100% como serviços de telecomunicações. E obviamente, segundo o entendimento do Fisco Estadual, os serviços de internet devem ser 100% tributados a título de ICMS.
Assim, com fulcro na segurança jurídica, qualquer divisão de serviços/receitas deve sempre ser realizada com o necessário acompanhamento de profissionais habilitados juridicamente, devendo ainda qualquer divisão ser devidamente refletida tanto nos contratos, quanto nas notas fiscais e boletos de cobrança.
E mais, recomenda-se que seja ajuizada uma ação declaratória preventiva, para declarar a legalidade da organização adotada pela empresa e, ao mesmo tempo, declarar a não incidência do ICMS e ISSQN sobre os serviços de acesso à internet (serviços de valor adicionado).
Paulo Henrique da Silva Vitor
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio Fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados Associados